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Como a dialética do esclarecimento previu a cultura pop atual

Hoje, vamos mergulhar em Dialética do Esclarecimento, uma obra dos anos 1940 escrita por Theodor Adorno e Max Horkheimer — dois alemães que tinham o dom de enxergar o futuro e nenhuma paciência para festas. O livro é um alerta sombrio sobre como o Iluminismo, com sua promessa de liberdade através da razão, acabou nos entregando de bandeja à tirania do entretenimento em massa. E o que eles descreveram como uma ameaça distante é, surpresa, o que hoje chamamos de cultura pop: um espetáculo de super-heróis reciclados, memes cínicos e remakes que parecem gritar “por favor, nos assistam de novo”.

Pense num mundo onde o ato de pensar é tão útil quanto um guarda-chuva num deserto. Adorno e Horkheimer não só imaginaram isso, mas apontaram o dedo para a indústria cultural e disseram: “Vocês vão transformar tudo num looping previsível”. E cá estamos nós, provando que eles estavam certos, assistindo ao mesmo roteiro em 4K enquanto fazemos fila para o próximo capítulo da mesma história. Então, ajuste seus óculos de ironia e venha comigo explorar como a Dialética do Esclarecimento previu o presente — e, de quebra, deu uma risadinha enquanto nos via tropeçar na própria rede de blockbusters.

A Previsibilidade e a Falta de Pensamento — O Cérebro em Standby

Adorno e Horkheimer, em um de seus momentos de clarividência mais irritantemente acertados, escreveram: “O espectador não deve ter necessidade de nenhum pensamento próprio, o produto prescreve toda reação: não por sua estrutura temática – que desmorona na medida em que exige o pensamento –, mas através de sinais. Toda ligação lógica que pressuponha um esforço intelectual é escrupulosamente evitada.” Traduzindo do filosofês para o português do século XXI: a indústria cultural nos entrega um banquete de entretenimento tão mastigado que engolimos sem nem sentir o gosto. E se existe um altar moderno para essa profecia, ele se chama Universo Cinematográfico da Marvel — ou MCU, para os íntimos que já decoraram a ordem cronológica das 37 fases (e contando).

Pense em Vingadores: Ultimato. Ou Homem-Aranha: Sem Volta pra Casa. Ou qualquer filme que tenha um herói de uniforme colante enfrentando um vilão com um plano megalomaníaco que, surpresa, será frustrado no terceiro ato com uma explosão e um discurso sobre amizade. Não é que as histórias sejam ruins — elas são divertidas como um cachorro correndo atrás do próprio rabo. O problema é que você já sabe exatamente quando o cachorro vai tropeçar. A Marvel não quer que você pense; ela quer que você sinta — e sinta só o que ela manda, guiado por trilhas sonoras grandiosas, piadas cronometradas e closes dramáticos em câmera lenta. Os “sinais” de que Adorno fala estão todos aí: o clarão da explosão que diz “agora aplauda”, o vilão monologando que avisa “fique com raiva”, o beijo final que sussurra “pode chorar”. Ligar os pontos? Esqueça. Isso exigiria um esforço que a máquina bilionária de Kevin Feige prefere que você guarde para escolher entre refrigerante ou cerveja na próxima sessão.

E não é só a Marvel. A cultura pop inteira virou um manual de instruções para preguiçosos intelectuais. Séries como Stranger Things jogam referências aos anos 80 na sua cara como se fossem migalhas para pombos, esperando que você fique tão distraído com a nostalgia que não perceba o enredo raso como um pires. Adorno diria que essa previsibilidade é o verdadeiro vilão — não Thanos, não Vecna, mas a certeza de que nada vai te tirar da zona de conforto. É um mundo onde o cérebro é um acessório opcional, e a indústria agradece por você deixá-lo na gaveta. (Nota de rodapé sarcástica: se Descartes estivesse vivo, ele reescreveria “Penso, logo existo” para “Assisto, logo esqueço”.)

O Prazer Estragado pelo Comércio — A Magia com Preço de Liquidação

Adorno e Horkheimer, esses dois profetas do desencanto, soltaram esta facada disfarçada de insight: “O logro, pois, não está em que a indústria cultural proponha diversões, mas no fato de que ela estraga o prazer com o envolvimento de seu tino comercial nos clichês ideológicos da cultura em vias de se liquidar a si mesma.” Em outras palavras, não é o fato de termos entretenimento que incomoda — é que ele vem embrulhado num papel de presente tão caro que o presente em si vira um detalhe. E se há uma empresa que transformou essa ideia num império, é a Disney, a rainha dos remakes e da nostalgia em liquidação. Prepare-se para descobrir como o rato mais famoso do mundo pegou nossa alegria e a transformou num boleto com orelhas.

Vamos falar de O Rei Leão. O original de 1994 era uma obra-prima: uma história simples, mas poderosa, com músicas que grudavam na cabeça como chiclete em sapato. Aí veio o remake live-action de 2019, prometendo reviver a magia com gráficos tão realistas que você quase podia sentir o cheiro do Serengeti. Só que, no lugar de alma, recebemos um produto — um leão digitalizado com menos emoção que um atendente de call center. Não é que seja ruim; é que é desnecessário, como pedir um café gourmet e receber um copo de Nescafé requentado. A Disney não quer te emocionar de novo, ela quer te vender o mesmo sonho em 4K, com uma pitada de moralismo sobre “ser quem você é” que soa mais como slogan de comercial do que filosofia de vida.

E não para aí. A Bela e a Fera, Aladdin, Mufasa: O Rei Leão (porque um remake do remake é o próximo passo lógico) — todos seguem o mesmo manual: pegar algo que já funcionou, polir com CGI, enfiar uma mensagem genérica sobre empoderamento ou família, e cobrar ingresso como se fosse uma experiência nova. Adorno viu isso vindo a quilômetros: o prazer genuíno do entretenimento é sufocado pelo cheiro de lucro e pela repetição de clichês que não desafiam ninguém. É diversão com prazo de validade, embalada em plástico bolha ideológico — o tipo que te diz que o consumismo é liberdade e que felicidade vem com uma assinatura do Disney+.

O grande truque aqui é que a indústria cultural não quer que você perceba o logro. Ela te distrai com trailers brilhantes e campanhas de marketing que prometem o mundo, enquanto entrega uma cópia barata do que você já tinha. O prazer, que poderia ser uma faísca de criatividade ou reflexão, vira uma transação: pague, assista, esqueça. Adorno diria que estamos comprando o próprio caixão da cultura, mas com um sorriso no rosto e uma pipoca na mão.

O Ciclo Infinito das Franquias — Um Filme Que Nunca Acaba

Adorno e Horkheimer, com sua habilidade de prever o futuro como quem prevê chuva olhando para um céu cinza, deixaram esta joia para a posteridade: “Cada filme é um trailer do filme seguinte, que promete reunir mais uma vez sob o mesmo sol exótico o mesmo par de heróis; o retardatário não sabe se está assistindo ao trailer ou ao filme mesmo.” É uma descrição tão precisa da cultura pop atual que parece que eles tinham uma bola de cristal sintonizada direto no canal da Marvel. Bem-vindos ao mundo das franquias, onde o fim de uma história é só o intervalo comercial antes do próximo episódio — e o Universo Cinematográfico da Marvel (MCU) é o rei incontestável dessa roda viva de sequências, spin-offs e promessas de mais.

Pense em Vingadores: Guerra Infinita. Thanos estala os dedos, metade do universo vira pó, e você sai do cinema achando que viu um clímax épico. Até que os créditos rolam e uma cena pós-créditos te joga na cara: “Calma, tem mais vindo aí.” Ultimato resolveu? Claro, mas aí veio WandaVision, Loki, Doutor Estranho no Multiverso da Loucura — e de repente você percebe que não assistiu a um filme, mas a um teaser de 20 bilhões de dólares para o próximo arco do multiverso. Adorno estava certo: não há começo, meio e fim, só um carrossel de heróis em spandex girando sob o mesmo sol exótico (ou uma Nova York genérica destruída pela milésima vez). O retardatário — ou seja, aquele pobre coitado que perdeu a estreia — entra no cinema e se pergunta se está vendo o prato principal ou só o aperitivo.

E não é só o MCU. Séries como The Mandalorian fazem o mesmo truque na galáxia muito, muito distante de Star Wars. Cada episódio entrega Baby Yoda, umas lutas legais e a promessa implícita de que a próxima temporada vai te dar mais do mesmo, só que com um sabre de luz extra. É um ciclo infinito onde o entretenimento não termina — ele se recicla, como um hamster correndo na rodinha enquanto a Disney e a Marvel contam as moedas. O espectador, coitado, fica preso nessa máquina do tempo narrativo, sem saber se está aplaudindo uma conclusão ou só aquecendo as mãos para o próximo capítulo que já está no forno.

O gênio sombrio de Adorno aqui é perceber que esse looping não é acidente, é o plano. A indústria cultural não quer te dar uma história fechada — ela quer te manter na assinatura, na poltrona, no hype. Cada filme ou episódio é um anzol com isca nova, mas o peixe é sempre você. E enquanto o carrossel gira, a ideia de uma obra que desafie ou surpreenda vira relíquia de um passado que ninguém lembra.

O Espelho da Cultura Pop e o Convite ao Despertar

Então, cá estamos, girando na roda da cultura pop como hamsters bem alimentados — mas com menos pelos e mais assinaturas de streaming. Adorno e Horkheimer, com seus olhos de falcão pessimista, nos avisaram: a indústria cultural não é só um passatempo, é uma corrente invisível que nos prende a um ciclo de previsibilidade, risos vazios, prazer pasteurizado e histórias que nunca acabam. Mas o que isso faz com a gente, além de nos deixar com um estoque de camisetas do Homem-Aranha e uma vaga sensação de déjà-vu? Spoiler: não é bonito. Esse looping infinito não só embota o cérebro como nos rouba algo mais precioso — a chance de crescer, de pensar, de sentir algo que não venha com manual de instruções.

Imagine o desenvolvimento pessoal como uma escalada: cada passo exige esforço, um pouco de suor e a disposição de olhar para o abismo sem piscar. Agora imagine trocar isso por um elevador da Disney que só sobe até o andar da lojinha de souvenirs. A cultura pop, do jeito que Adorno previu, nos mantém confortáveis, mas atrofiados. Rimos do nada, assistimos ao mesmo herói salvar o mesmo mundo, compramos a mesma nostalgia requentada — e, enquanto isso, nossa capacidade de questionar, de criar, de buscar significado vai virando uma relíquia empoeirada na prateleira. Não é que a Marvel ou o TikTok sejam o diabo em forma de entretenimento; é que eles nos treinam para não querer mais do que já temos.

Mas nem tudo está perdido — pelo menos, não enquanto você ainda tem a opção de desligar a tela. Que tal trocar o próximo blockbuster por um livro que te faça franzir a testa? Ou um filme indie que não explique tudo nos primeiros cinco minutos? Melhor ainda: saia para o mundo real e deixe o caos da vida te surpreender, sem trilha sonora épica ou cena pós-créditos. Adorno diria que a saída está em rejeitar o script — não com fanfarra revolucionária, mas com o simples ato de escolher algo mais profundo que um trailer de duas horas. O universo pode ser um lugar absurdamente confuso, mas pelo menos você pode ser o autor da sua própria história, em vez de um figurante na franquia de outra pessoa.

Filósofo pop, coach involuntário, e especialista em encontrar sentido até no caos de Rick and Morty.

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